por Bárbara Soalheiro
Chatos existem porque existem, oras. Existem porque são chatos e são chatos porque existem. Se não existissem não seriam chatos.
Não há dúvidas: o texto aí em cima é chato! E o principal motivo é o fato de ele repetir quatro vezes as palavras “chato” e “existem”. “Qualquer situação repetitiva é difícil de suportar. A contramão da chatice é a criatividade”, diz o psicanalista Raymundo de Lima. Raymundo é um estudioso de Tratado Geral dos Chatos, escrito em 1962 por Guilherme Figueiredo. “O livro é uma referência sobre o assunto. Além de pioneiro, fugiu da linguagem acadêmica, que é muito chata”, diz.
Figueiredo classificou diversos tipos maçantes, dando a eles nomes e explicações pseudocientíficas. O que ele não imaginava era que, em apenas algumas décadas, seria possível apontar motivos biológicos para esse estado humano. “A razão mais comum para a chatice é a crise de mania, quando o sistema de recompensa – a área do cérebro responsável pelo prazer – fica superexcitado”, diz a neurocientista Suzana Herculano-Hozel, da UFRJ. Durante a crise, a pessoa sente prazer em fazer ou falar a mesma coisa. “Ela não sabe que está sendo desagradável pois o cérebro produz a sensação de que aquilo é legal”, diz Suzana.
Mas, antes de sair por aí dizendo “Ah! Então é por isso que (use o nome do seu conhecido mais chato) é assim!”, saiba que ninguém está imune à chatice aguda. “Essas crises são comuns, mas existem em várias gradações. Podem ser bem leves ou chegar ao delírio paranóico, quando a pessoa se sente Deus.” Se você se identificou, está em vantagem considerável em relação ao resto da humanidade. Afinal, de acordo com Figueiredo, “os chatos não se chateiam”.
Visão raio-xato
Aprenda a identificar ostipos mais comuns em festas
Galanchateador
Sutileza é uma palavra desconhecida para esse tipo. Ele é capaz de incomodar todo o contigente feminino de uma festa e sair de lá achando que arrasou. Quando não está exercendo seu poder de sedução, confidencia aos amigos. “Tá vendo aquela ali? Pois eu já...”
Folgado
Esse cara leva ao pé da letra expressões cordiais como “sinta-se em casa” ou “fique à vontade”. Tem uma relação tão íntima com a sua geladeira que reclama quando você compra uma nova marca de requeijão e avisa que a cerveja está acabando
Existenchatista
É chato porque existe. Segundo Guilherme Figueiredo, esse tipo está rodeado pelos “anéis de chaturnos”, fazendo com que sua chatura seja sentida à distância. É azarento e sem graça. Não tem amigos e mesmo os animais de estimação são avessos à sua companhia
Diabinho
Cinco minutos perto dessa criança são suficientes para você entender por que alguns casais optam por não ter filhos. Em geral, vem acompanhada de tias e outros familiares dispostos a fazer de tudo para agradá-la
Bebê chorão
“Toda criança é chata”, escreveu Guilherme Figueiredo. Algumas muito, outras mais ainda. E as choronas são as campeãs desse segundo grupo. Berros, grunhidos, choros e soluços compõem a trilha sonora de uma das espécies mais difíceis de suportar
O prestativo
Peca por excesso de boas intenções e falta de desconfiômetro. Acredita que está apto a consertar e aprimorar o funcionamento de todo e qualquer aparelho doméstico, inclusive daqueles que estão trabalhando perfeitamente
Telemaníaca
A versão feminina é mais comum, apesar de também existirem homens da espécie. Ela é capaz de passar horas ao telefone, sem perceber a insatisfação das pessoas ao redor. Pior do que esbarrar com uma durante a festa é deixar que ela descubra seu número de telefone
Cuspidor
O cara é bem informado e sempre fica sabendo das fofocas em primeira mão. Mas, se você quiser escutar o que ele tem a dizer, vai ter que agüentar uma boa dose de chuva salivar. Há duas variações para o tipo cuspidor: os que berram e os que sussurram. Difícil saber qual é o mais chato
A sem noção
Ela se preocupa com o que você come, bebe, fala, faz e pensa. Não desgruda de você um só minuto e não respeita a distância mínima que deve haver entre desconhecidos. Até que não seria tão mal, se ela não fosse velha ou feia. Afinal, “só as mulheres feias são chatas”, escreveu Guilherme Figueiredo, que morreu em 1997
Chatimbanco
É fã das pegadinhas: tira a cadeira quando você vai sentar, cola bilhetes engraçadinhos nas suas costas, pisa no pé de todo mundo que aparece de sapato novo. Enquanto você é obrigado a controlar sua vontade de enforcá-lo – pelo bem da festa – o chatimbanco se derrama em risos histéricos
Chato-etílico
Bastam algumas latinhas e todos estamos sujeitos a essa condição. Os chatos-etílicos têm trajetória decrescente: começam num estágio de melancolia dócil, reclamando da vida, passam por momentos de agressividade, quando qualquer coisa é motivo para briga, e terminam em derrocada total, vomitando na piscina da sua casaPara saber mais
Na livraria:
Tratado Geral dos Chatos - Guilherme Figueiredo, Civilização Brasileira, 1993
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