Carlos Thadeu: “O governo do Estado tem sido o mais opaco, reativo e autoritário”
por Conceição Lemes
Desde 8 de janeiro de 2015, está em vigor em 31 cidades atendidas pela Sabesp, inclusive São Paulo, atarifa de contingência da água, também chamada de multa, ou sobretaxa.
Ela será de 40% para quem consumir até 20% acima da média registrada entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014. Caso o consumo exceda a média de 20%, a multa será de 100%.
A Arsesp (agência reguladora de saneamento e energia ligada ao governo do Estado) convocou para 29 de dezembro de 2014 uma audiência pública para deliberar pela autorização ou veto à sobretaxa proposta pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Mesmo marcada para antevéspera do Ano Novo, quatro entidades compareceram. Durante audiência, depois em documento enviado à Arsesp, elas se manifestaram contra a cobrança da taxa sem que o governador decretasse oficialmente o racionamento, ou rodízio.
A Arsesp ignorou as entidades e aprovou a cobrança da multa.
Edson Aparecido da Silva, coordenador da coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, denunciou ao Viomundo: “A audiência foi só para cumprir uma formalidade legal. A decisão já estava acertada com Alckmin. Jogo de cartas marcadas. Má-fé. Desrespeito com as entidades que compareceram à audiência e com a sociedade em geral”.
O advogado Carlos Thadeu compareceu à reunião, representando o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
“Falta água e sobretaxa.Nós estamos sendo duplamente penalizados pelo que o Alckmin deixou de fazer”, denuncia Carlos Thadeu, em entrevista ao Viomundo. “A Sabesp teve lucro líquido de 13 bilhões de 2003 pra cá. Reinvestiu uma parte, mas mandou a maioria pros investidores.”
“O governo federal deveria impor condições para emprestar dinheiro ao Estado de São Paulo”, defende. “Os prefeitos têm sua responsabilidade também. Campinas está em crise, Itu não tem mais água, a lista vai aumentar. Mas o governo do Estado tem sido o mais opaco, reativo e autoritário até aqui.”
Segue a íntegra da nossa entrevista com o advogado do Idec.
Viomundo – Qual a posição do Idec em relação à crise hídrica?
Carlos Thadeu – O Idec sempre defenderá o uso racional de recursos naturais. Por isso, numa hora de crise, não podemos ser contra medidas que se façam necessárias, independentemente de quem é a responsabilidade pela situação.
Viomundo – O senhor se refere à cobrança da multa da água?
Carlos Thadeu – Sim, é uma das medidas. Agora, exigimos que sejam tomadas dentro da lei, respeitando os direitos do consumidor e do cidadão, as pessoas mais vulneráveis econômica ou socialmente. É fundamental também – e sempre! – que a população seja informada e participe das decisões. E, sobretudo,que as decisões sejam tomadas com base no princípio da justiça. Em situações de crise, alguns podem arcar mais que outros com as limitações.
Viomundo – O Idec tentou diálogo com o governador, o secretário ou a Sabesp?
Carlos Thadeu -- Claro. Desde o ano passado buscamos o diálogo. Falamos com assessores do governador, recebemos a Sabesp na nossa sede, ouvimos deles explicações técnicas e a única coisa que pedimos naquele momento foi: transparência, respeito e informação à população. Eles nunca atenderam nossos pedidos.
Viomundo – Apesar de o governador não ter declarado oficialmente o racionamento, ou o rodízio, o governador decidiu cobrar a sobretaxa. O que acha disso?
Carlos Thadeu — O governador passou por cima do Código de Defesa do Consumidor e da lei Federal de Saneamento. E ele que diz ser um dos autores do Código do Consumidor… Na verdade, foi só relator.
O governador viola a lei, não ouve a sociedade, os outros representantes políticos, especialistas. Enfim, assume uma postura imperial e, sobretudo, equivocada.
A sobretaxa é ilegal se não for declarado o racionamento. Não é mero detalhe jurídico.
A lei impõe isso e essa condição afasta a judicialização. Portanto, contribui para o sucesso da medida. Além disso, ela traz responsabilidades para o governo, como a exposição de um plano de contingência, aplicação dos recursos, etc. E, acima de tudo, traz a público a situação emergencial.
Viomundo – O que o Idec fará?
Carlos Thadeu – O Idec vai buscar sempre o diálogo onde ele couber. Mas, neste caso, vamos recorrer a medidas judiciais. Mas queremos fazer isso com calma, com os parceiros que temos encontrado, como a Aliança pela Água, Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP e a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.
Creio que, enquanto a multa não for suspensa ou reformulada, o consumidor e o cidadão devem brigar por seus direitos.
Viomundo – De que forma?
Carlos Thadeu — Por exemplo, se um condomínio de baixa renda não conseguiu economizar porque sequer dispõe de medidores individualizados e sofreu a sobretaxa, deve recorrer. Primeiro à Sabesp. Se não funcionar, ir à Justiça.
Uma coisa importante no direito do consumidor: quando alguém é vítima de cobrança considerada indevida, a Justiça pode determinar a devolução em dobro ao consumidor. A Sabesp deve ficar atenta.
Viomundo — Não é paradoxal nós, cidadãos, sermos cobrados por algo que o governo Alckmin não fez?
Carlos Thadeu – Claro que há um sentimento de injustiça, porque nós não causamos a crise e agora temos de pagar. Mas, para superar situações, às vezes isso é necessário. Só que é preciso respeitar o Estado Democrático de Direito, como já disse.
Nada disso elimina a discussão sobre as causas e responsabilidades do governo nesta crise, que são inúmeras e vão além da falta de investimento e das perdas de água por falta de manutenção da rede pela Sabesp. Elas chegam à questão ambiental, por exemplo. O governador está com uma lei na sua mesa para ser sancionada que piora o já péssimo Código Florestal Brasileiro. Isso é inconstitucional
Viomundo – Nós não estamos sendo penalizados duplamente (falta de água e sobretaxa) enquanto o governador segue mentindo para a população que a culpa é de São Pedro?
Carlos Thadeu– Falta água e tarifa de contingência, ou sobretaxa.Nós estamos sendo duplamente penalizados pelo que o Alckmin deixou de faze. A Sabesp teve lucro líquido de 13 bilhões de 2003 pra cá. Reinvestiu uma parte, mas mandou a maioria para os investidores.
A culpa é, sim, dos governantes! Não adianta carrear mais dinheiro pra obras faraônicas, que vão alimentar as mesmas empreiteiras e os dutos da corrupção.
O governo federal deveria impor condições para emprestar dinheiro ao Estado de São Paulo. Os prefeitos têm sua responsabilidade também. Campinas está em crise, Itu não tem mais água, a lista vai aumentar. Mas o governo do Estado tem sido o mais opaco, reativo e autoritário até aqui.
Infelizmente, a crise está só começando. Se os especialistas estiverem certos, teremos saudades dos dias de hoje e será o caos nas cidades.
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